Ano XXI nº 247 -
 
 

Flávio Luposeli 

Cirurgião-dentista responsável pelo SPA Odontológico Luposeli e pela Odonto Partners (escola de especialização para dentistas). Especialista em DTM / DOF pela Unifesp. Treinamento em Reabilitação Oral com Implantes na University of Texas – USA. Responsável pelas pesquisas com Toxina Botulínica e Biomateriais do C.O.D.D. – FOUSP. Membro do Conselho Consultivo Científico Mundial para Toxina Botulínica da Ipsen Beaufour – Munich, Alemanha. Professor Coordenador do Curso de Anatomia Cirúrgica para Estética Orofacial Avançada da Odonto Partners / M.A.R.C. – Miami Anatomical Research Center, USA. CRO-SP 60.866

Artigo - Flávio Luposeli

Edição 247 - 02/05/2018

 

Harmonização Orofacial Momento atual da odontologia: voltaremos à Idade Média?

 

Harmonização Orofacial é o termo que se usa para tratamentos que visam equilibrar os diversos tecidos da face com a harmonia estético-funcional do sorriso. E a Odontologia é a ciência que estuda esse equilíbrio.

Em sua evolução histórica, ao passar do pré-cientificismo nos séculos XVI e XVII até o surgimento das escolas especializadas, a Odontologia iniciou seu progresso com a fase científica.

Se retrocedermos no tempo, até poucas décadas atrás, mesmo com todo avanço dos materiais e técnicas, a Odontologia tratava basicamente dentes, gengivas e algumas poucas patologias, sobretudo as relacionadas às Articulações Temporomandibulares, mas sob uma óptica muito "oclusionista".

Com a evolução, tantos dos métodos de estudo, quanto da velocidade das informações dos tempos pós internet, a Odontologia deu um grande salto técnico-científico. Novos materiais, técnicas, recursos de imagem e um intercâmbio de informações trocadas rapidamente em todo o mundo evidenciaram a importância e o impacto dos músculos e demais tecidos da face no exercício da Odontologia.

Um bom exemplo disso é que há cerca de duas décadas não se falava em cefaléias originadas por problemas relacionados ao Sistema Estomatognático. Hoje, isso não só é comum no dia-a-dia clínico, como as cefaléias secundárias aos problemas odontológicos já estão assim classificadas pelos órgãos que determinam os critérios internacionais. A IHS, International Headache Society, classifica essas cefaléias nos subitens 11: "Headache or facial pain attributed to disorder of cranium, neck, eyes, ears, nose, sinuses, teeth, mouth or other facial or cranial structures" (www.ihs-klassification.de).

As evidências científicas começaram a transformar a Odontologia em uma ciência muito mais transdisciplinar e, por conseguinte, muito mais extraoral.

Se formos enxergar a Odontologia sob a óptica exclusivamente intraoral, não a exerceremos em sua plenitude. Mesmo os colegas que optaram em trabalhar somente com reabilitações dentárias precisarão admitir que o ato de sorrir necessita partir de três estruturas anatômicas principais: dentes, gengivas e lábios. Não há como sorrir sem lábios. Eles são a "moldura do quadro". Além disso, o ato de sorrir compreende os lábios em movimento. Mais: a construção estética da linha dentária de sorriso também depende da dinâmica dos lábios. E essa só existe com o equilíbrio funcional da maior parte dos músculos do terço médio e todos os músculos do terço inferior da face.  Logo, atuar em dentes e gengivas, ignorando os lábios para se tratar sorrisos, é como colocar a tela Monalisa em uma "moldura comprada em supermercado".

Anatomicamente, os músculos da face são derivados do mesmo arco faríngeo, ou seja, eles têm a mesma origem embrionária. Então, como fazemos para equilibrar, do ponto de vista estético-funcional, somente parte da face se todos os músculos estão imbricados anatomicamente? Os músculos da face apresentam íntima relação funcional entre si, salvo raras exceções. É preciso considerar isso nessa questão? Com certeza, sim.

Deixemos de lado agora as questões técnicas…

O CFO é uma autarquia federal independente, que regula o exercício profissional da Odontologia, assim como o CFM, regula o exercício da Medicina. Poderia o CFM legislar sobre a Odontologia? É evidente que não. Pior: pode uma simples sociedade médica determinar o que o cirurgião-dentista pode ou não fazer? A resposta é ainda mais óbvia…

Contudo, por alguma razão, a justiça brasileira concedeu uma liminar que limita o exercício da nossa profissão e essa decisão foi, até o presente momento, mantida no tribunal competente.

Não existe decisão quanto ao mérito. Somente se concedeu uma liminar que, neste momento, está sendo discutida no tribunal se será mantida ou não até que o mérito seja julgado.

Então, muito se pergunta: se uma entidade médica, que sequer é o CFM, achou por bem limitar o exercício de outra profissão, mesmo os juízes entendendo até o presente momento que a liminar deve ser mantida, os cirurgiões-dentistas do País precisam acatar a decisão judicial? A resposta é sim, pois a decisão judicial produz efeitos. Bem-vindos ao estado democrático de direito, cujo um dos seus importantes pilares é o respeito às instituições, gostemos ou não, concordemos ou não. Se nós temos ou não razão, isso ainda será discutido no mérito. Não é esse o momento em que estamos…

Notemos aqui que as questões de direito, de mérito, se misturam às questões técnicas, como não poderia ser diferente.

Dessa forma, como as leis podem ser aplicadas à margem das questões técnicas em situações como essa? Dentro da ótica do Direito elas podem. Mas será que deveriam? Explico: imaginemos que o cirurgião-dentista, em algum momento do processo, seja proibido de usar toxina botulínica para fins estéticos, permitido apenas e exclusivamente para fins "terapêutico-funcionais". A ação da droga se concentra sempre na função muscular, só que essa ação produz efeitos estéticos que são indissociáveis das suas funções terapêuticas. Como a lei poderia ser rigorosamente aplicada se o efeito estético da toxina botulínica é consequência do seu efeito "terapêutico-funcional"?

Se para tratar sorrisos precisamos equilibrar os músculos da face e a maior parte desses interfere diretamente na postura e dinâmica dos lábios no ato de sorrir, como faremos para exercer plenamente a nossa profissão que obriga a nos manter atualizados com o estado atual da ciência?

Esperamos e confiamos que essas e outras questões sejam levadas em consideração pelos juízes. Afinal, a Odontologia precisa continuar evoluindo com a ciência, caso contrário, seremos remetidos à Idade Média.

  

 

 

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