*Gilberto Pucca Jr
Cirurgião-dentista sanitarista, Mestre em Epidemiologia do
Envelhecimento pela Escola Paulista de Medicina; Doutor em Ciências
da Saúde pela Universidade de Brasília, coordenador Nacional de
Saúde Bucal do Ministério da Saúde de 2003 a 2014. Foi Diretor do
Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério
da Saúde, é Professor Adjunto do Departamento de Odontologia da
Universidade de Brasília e coordenador do Projeto Epidor da
Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. |
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Artigo
- Gilberto Pucca Jr.
Edição 232 -
14/02/2017
O que significa a unificação dos blocos de financiamento para o SUS
e a Odontologia
Com o
lançamento do Brasil Sorridente, em março de 2004, pela primeira vez a saúde
bucal obteve uma linha de financiamento que posicionou o Ministério da Saúde
como indutor. Até então cabia, quase que exclusivamente, aos municípios
investirem.
Não é
novidade que a Saúde Bucal ainda não é uma prioridade política dos gestores.
Isto se deve a inúmeros fatores, mas o fato é que investimentos nas ações de
Saúde Bucal nos municípios, que é onde de fato ela se concretiza, dependem
fundamentalmente da mobilização dos profissionais, e da boa (ou má vontade)
dos secretários de saúde.
Enquanto a Bucal não se transformar em motivo de grande mobilização da
população, assim continuará sendo.
De
2004 a 2014, o Ministério da Saúde investiu algo em torno de 9,5 bi nas
ações de Saúde Bucal. Basicamente com duas finalidades: desonerar os já
sobrecarregados municípios e talvez o mais importante, induzir as ações no
incipiente Brasil Sorridente.
Aqui
cabe uma ressalva fundamental, pois não basta alocar recursos, temos que
induzir as ações de Saúde ainda não prioritárias, como é o caso da Bucal.
Mas
para que um ente da federação deve induzir?
Por
analogia; a função de temos indicadores, além de monitorar algumas ações,
consideradas prioritárias, é também induzir ações. Isto um bom gestor de
políticas públicas sabe manejar.]
Pois
bem, o Ministério da Saúde acaba de propor e a Comissão Tripartite aceitou
que os Blocos de Financiamento do SUS, regulamentados pela Portaria 204 de
2007, de Atenção Básica, Vigilância em Saúde, Média e Alta Complexidade,
Medicamentos e Gestão tornem-se um só: o Bloco de Custeio.
Qual é
o efeito prático?
Agora,
o Ministério da Saúde repassará os recursos para uma conta única da
prefeitura, cabendo ao gestor local decidir onde usá-los.
De
custos de hospital a Atenção Básica. O que rende mais notícia, mídia e
votos: montar hospital ou implantar equipes de Atenção Básica, inaugurar
Pronto Socorro ou Centro de Especialidades Odontológicas, contratar médicos
ou dentistas? É difícil imaginar onde o grosso dos recursos serão gastos?
Claro,
para quem tem amigo dentista ou dinheiro para pagar um, isso pouco conta. O
que não é a realidade da imensa maioria da população brasileira.
Mas
isto, quem sabe mesmo, e sente na pele, são os profissionais que estão lá na
ponta, entre eles os coordenadores de Saúde Bucal, Atenção Básica e os
cirurgiões-dentistas, ASBs e TSBs.
Esse é
o problema. Estas ideias não se originam da ponta, de gente que tem que
segurar o touro a chifre.
No
mundo inteiro, os sistemas públicos de saúde mais custo-efetivos, que têm a
universalização e a integralidade como premissas – a exemplo, Canadá e
Inglaterra — têm como ponto em comum: investimento maciço na Atenção Básica,
incluindo profissionais qualificados e acesso amplo, para que ela seja
resolutiva e não onere os demais níveis.
Essa
resolução coloca o Brasil na marcha à ré mundial, mais uma vez.
Em
1996, ainda no primeiro período de estruturação do SUS, foi criado um
financiamento específico do Governo Federal para as áreas justamente de
Atenção Básica e de Vigilância em Saúde. Por quê?
Porque
são essenciais para a saúde da população. É o coração do sistema.
No
Brasil, fazem parte da Atenção Básica, entre outros serviços e ações: Saúde
da Família, Agentes Comunitários de Saúde, Mais Médicos, a maior parte do
Brasil Sorridente, Saúde na Escola, Núcleos de Apoio à Saúde da Família, com
psicólogos, fisioterapeutas etc., que serão os programas e ações diretamente
afetados, e as vítimas, mais uma vez serão os que mais precisam, ou seja, os
usuários e os profissionais.
Unificar os recursos em um bloco único, no âmbito municipal, é inviabilizar
a integralidade e privilegiar a assistência em detrimento das ações de
Vigilância e Promoção à Saúde. Os efeitos se farão sentir já neste ano.
A
medida sobrecarregará mais ainda o já insuficiente sistema assistencial, e
claro, desperdiçará os já escassos recursos públicos. Como se tivéssemos
dinheiro sobrando.
Ao que
tudo indica o problema do SUS e da Saúde Bucal, aos olhos dos profissionais
da ponta e dos usuários parece não ser o excesso de dinheiro.
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