Edição 189 - 02/05/2013
Brasileiros
criam anestesia odontológica sem injeção
O anestésico
é feito à base de ciclodextrinas e seu tempo de duração pode chegar a 6h
após aplicação única
Pesquisadores
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um gel ou creme
anestésico para ser usado por cirurgiões-dentistas evitando as aplicações de
injeções na mucosa da boca que geram reclamações de alguns pacientes.
A pesquisa foi coordenada pela bioquímica Eneida de Paula e a intenção não
foi produzir novas moléculas anestésicas, pois exigiria pelo menos 10 anos
de desenvolvimento e testes clínicos, mas ampliar a eficácia dos sais
anestésicos disponíveis no mercado ao encapsulá-los dentro
de carreadores ou nanopartículas capazes de levar os princípios ativos ao
lugar desejado e liberá-los de forma controlada.
A associação entre carreadores e anestésicos poderia, teoricamente, aumentar
o tempo de anestesia, exigir uma concentração menor de princípio ativo e
diminuir o risco de o composto entrar na corrente sanguínea e se espalhar
pelo corpo de forma nociva.
Pesquisa
A pesquisa teve início em 2007 com a escolha do carreador ideal para cada
anestésico. "Ele não poderia causar reações adversas no organismo, teria de
ser quimicamente estável e precisaria manter o anestésico no local aplicado
pelo maior tempo possível", disse Eneida.
Os lipossomas, partículas feitas de lipídios e semelhantes a membranas
biológicas, foram os primeiros carreadores testados pelo grupo.
Segundo Eneida, os lipossomas são capazes de levar os anestésicos sem gerar
reações adversas e já são empregados pela indústria farmacêutica em
antivirais, antifúngicos e no desenvolvimento de vacinas e medicamentos
anticâncer. Mas nem tudo saiu como esperado.
Testes em animais e humanos mostraram que o uso dos lipossomas como
carreadores prolonga o tempo de ação dos anestésicos mepivacaína e
prilocaína em três a quatro vezes, comparados aos medicamentos comerciais,
que agem por duas a quatro horas.
Tal eficácia, entretanto, ainda dependia do uso de seringas na aplicação do
medicamento. É que, para eliminar a dor, o sal anestésico precisa
ultrapassar a mucosa e o osso compacto da boca para bloquear a condução do
impulso nervoso que transporta as informações de sensibilidade da região
dental ao cérebro.
Ciclodextrinas
Os cientistas decidiram então estudar carreadores alternativos. A solução
foi encontrada nas ciclodextrinas, moléculas produzidas a partir da quebra
do amido. "Umas das principais vantagens das ciclodextrinas é que elas
aumentam a solubilidade aquosa dos anestésicos, fazendo com que maior
quantidade do composto chegue ao nervo que precisa ser anestesiado. Grandes
porções de anestésicos são necessárias para banhar a região do nervo e
impedir a propagação do impulso doloroso", explicou a pesquisadora.
Testes em animais mostraram que anestésicos como a bupivacaína e a
ropivacaína, complexados com hidroxipropil-beta-ciclodextrina, aumentaram o
tempo de duração e a intensidade da anestesia para além de 6 horas após uma
aplicação única. Estudos também apontaram que anestésicos associados a
carreadores necessitam de quantidades menores de princípio ativo para
cumprir a sua função. Em animais, a mepivacaína a 2% encapsulada em
lipossomas exerceu uma atividade anestésica semelhante à mepivacaína a 3%
sem carreador.
Gel
anestesiante
Os pesquisadores aperfeiçoaram a composição na forma de um gel que, em
alguns casos, é aplicado sobre a mucosa da boca para diminuir a dor da
injeção anestésica. Lipossomas foram associados aos anestésicos de uso local
benzocaína e mepivacaína. No caso da benzocaína, foi possível manter a
eficácia do gel com a concentração do princípio ativo diminuída pela metade,
de 20% para 10%.
"O gel preparado também apresentou propriedades reológicas interessantes que
possibilitaram ao medicamento permanecer no local aplicado por mais tempo
que o produto disponível no mercado, sem derreter e perder a atividade",
disse Eneida. A pesquisa liderada por ela gerou uma patente que despertou o
interesse de algumas indústrias farmacêuticas.
Fonte: Revista Exame
|