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Ano VII - Nº 97 - Abril de 2005
 

Farra do boi e democracia*

Armando Stelluto Jr.*
 

 

A farra do boi é um evento odioso que acontece todos os anos em Santa Catarina, no qual o homem vira animal e o animal em fuga vira o que se espera de um homem civilizado. A democracia é a doutrina política sustentada pela soberania popular. Enquanto a correria catarinense aos bovinos de boa paz vem se tornando uma bobagem de bandos de ignorantes, a democracia brasileira sofre um esculacho de hordas políticas que se fartam a rodo com os recursos públicos.

Lula disse dias atrás que neste ano eleitoral não haverá farra do boi. Não sabia o que estava falando. Traduzindo: não haverá porque já houve e decerto porque as burras estariam vazias.

O uso do dinheiro público é tão sagrado para um povo contribuinte como o nosso, cordato e em sua maioria respeitador das instituições, que metáforas como essa chegam a ofender a sociedade como um todo. Ora, Lula disse que agora não. Isso quer dizer que a coisa existe e sugere que ele a conhece bem, considerando suas próprias palavras.

Severino Cavalcanti, o novo presidente da Câmara guindado ao terceiro maior posto da Nação ao correr por fora numa disputa política safada e recheada dos vícios que o PT tanto bateu e agora pratica no maior descaramento, defendeu na maior cara-de-pau um absurdo aumento de salário para os deputados federais. Aumento que até agora não saiu. No entanto, já conseguiram pôr a mão no erário, reajustando a verba de gabinete de cada deputado em 25%, de R$ 35 mil para R$ 43.750,00. A bem da verdade, isso não foi coisa totalmente de Severino, mas teve a mão grande de seu antecessor, o petista João Paulo Cunha, então em campanha para o Senado em dezembro. Uma vergonha!

Antes disso, Nélson Jobim, presidente ínclito do Superior Tribunal Federal (STF), articulou com Severino uma manobra que permitiria um inexplicável aumento de 64% nos salários dos deputados. Tudo sem muito barulho. Depois disso, o reajuste teria efeito cascata primeiro para a turma dele, do STF, depois para o Senado, para funcionários das três casas, câmaras, assembléias e outras e mais outras categorias do regime público de trabalho a entrar na farra. Não deu certo, porque Renan Calheiros (aquele da turma do Collor, hoje presidente do Senado, com as bênçãos de Lula) não topou. Não deu certo até agora. Detalhe: cada deputado federal custa para nós contribuintes a bagatela de R$ 80 mil mensais, aí já incluídos proventos e ganhos legais, além de cobertura integral a despesas como telefone, xerox, viagens, alimentação, auxílio-paletó, auxílio-moradia e outras gordas vantagens. 

Mais uma pândega regada a dinheiro público fez o governo de Lula ao contratar até agora cerca de 48 mil novos barnabés civis em tempos de dinheiro curto. E dinheiro curto em qualquer canto do País, seja na quitanda da esquina, no mercadão paulistano, na venda de secos e molhados de Paribas (PI), Garanhuns (PE), Taciba (SP), na Rocinha (RJ), ou mesmo no entorno de espeluncas que cercam Brasília. Nada contra necessárias contratações, como para um bom atendimento na Previdência Social, para inspeções a pontes que caem como moscas, para a conservação de estradas que se desmancham ao vento, ou para serviços de segurança e saúde, os quais simplesmente não existem para a maioria da população. No caso, essa é a questão: esse procedimento virou moeda de troca política no governo, como sempre foi com os dois Fernandos, o Henrique e o Collor, e José Sarney. Aliás, artimanha duramente condenada pelo PT, que hoje no poder se abunda dessa desenvoltura maliciosa.

Essa e outras farras não podem e não devem, em momento nenhum, pôr a democracia a canto. A democracia, apesar disso, está e precisa ficar acima de quaisquer gatunagens locupletadoras da nossa classe política. Mas, precisa também ser hercúlea ao ponto de dobrar devassos oportunistas, garimpadores de valores não só em pecúnia, mas em honra e caráter de que tanto possui o povo brasileiro. A partir desse raciocínio, desaguamos na tão propalada reforma política de que o Brasil carece há anos. A mudança de dentro para fora. Mudança por uma conduta ética entre aqueles que representam a população. Mas, quem a faria? Pela Constituição em vigor, somente as lideranças políticas. É, essas mesmas que aí estão, representadas por Severinos, Renans, Sarneys, ACMs, Genoínos e muitos outros de quase todos os partidos, PT, PP, PSDB, PFL, PMDB. Seria o mesmo que as raposas a vigiarem o galinheiro, ou as cabras a cuidarem das hortas.

Como na história alemã se alertava: o povo não pode saber como são feitas as lingüiças e as leis.

Imagine a farra!


NOTA DO EDITOR * Este artigo foi escrito e editado em 17 de março com exclusividade para o JSO. No domingo (20/3), o jornal O Estado de S. Paulo publicou texto da jornalista Suely Caldas com título semelhante ( A "farra do boi" do Legislativo) e enfocando os mesmos pontos do articulista Armando Stelluto Jr.


Outros artigos do autor publicados no Jornal do Site Odonto


*Armando Stelluto Jr.  é jornalista

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