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Ano V - Nº 65 - Abril de 2003 - 2ª Quinzena

Vitórias e derrotas

Marco Manfredini*

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A vida é assim. Às vezes, ganhamos, e na maioria das vezes, perdemos. Relatarei aqui uma de nossas raras vitórias para, quem sabe, iluminar os cidadãos de bem para a importância da luta política na construção de políticas públicas.

A eleição direta para os governos estaduais em 1982 significou um grande avanço para a redemocratização do país. Com a eleição de Franco Montoro em São Paulo, houve uma mudança significativa na condução dos rumos da Saúde Pública no Estado. A indicação de Paulo Capel Narvai para a Coordenação Estadual de Saúde Bucal apontou na direção de uma profunda reformulação nas políticas públicas da área.

Um dos grandes questionamentos apontados  por Paulo Capel foi o do local onde se deveria  processar a assistência odontológica. Até então, a tradição institucional apontava na direção de serviços dirigidos exclusivamente à população de crianças matriculadas e freqüentadoras das escolas. O Departamento de Assistência ao Escolar (DAE) chegou a dispor de milhares de profissionais no Estado, sem que este tipo de prática resultasse numa mudança do perfil epidemiológico, como atestam vários estudos acadêmicos.

Com o debate lançado por Paulo Capel, vislumbrou-se a possibilidade de que o local privilegiado para a assistência odontológica deveria passar a ser a unidade básica de saúde e não mais as escolas. Desta forma, o serviço poderia ser acessível à toda população, cumprindo o princípio da universalização,  e não ser mais restrito apenas às crianças das escolas com consultórios.

Esta polêmica ainda hoje persiste. A título de exemplo, em 2001, a transferência de dentistas de escolas para unidades de saúde em Campinas chegou até à Câmara Municipal. O secretário de Saúde, Gastão Wagner, foi sabatinado pelos vereadores que, ao final de uma discussão técnica e política, se convenceram do acerto da medida.

Na primeira gestão petista na Capital, da  prefeita Luiza Erundina, a Secretaria Municipal de Saúde assumiu a proposta de que o local estruturador da assistência odontológica deveria ser a unidade de saúde e não mais a escola. Os dois secretários na época, Eduardo Jorge e Carlos Neder, trabalharam na perspectiva de que a ampliação da rede fosse feita em unidades de saúde e diversos consultórios em escolas foram desativados e transferidos para a rede de saúde.

Na gestão  Paulo Maluf (1993-1996), o então vereador Dalmo Pessoa apresentou um projeto de lei que tornava obrigatória a instalação de consultórios odontológicos em todas as escolas e creches municipais. Ao arrepio das deliberações das Conferências Municipais de Saúde e do Conselho Municipal de Saúde, este projeto foi aprovado na Câmara e se transformou em lei.  Cumpre ressaltar que nenhum vereador na época tentou obstaculizar tal ação. No último ano de sua gestão, Paulo Maluf adquiriu 40 consultórios para instalar nas creches municipais.

Com a eleição do vereador Carlos Neder em 1997, tal problema foi retomado. Na ocasião, diversos dentistas da Prefeitura denunciaram irregularidades na licitação e na instalação destes consultórios, o que conduziu a duas representações formuladas pelo mandato de Carlos Neder, que se transformaram em investigações no Ministério Público Estadual e no Tribunal de Contas do Município, ainda não concluídas.

Em 2000, às vésperas da eleição,  o vereador Carlos Neder apresentou um projeto de lei que propunha a revogação da lei de Dalmo Pessoa. O projeto de revogação partia do princípio já vislumbrado por Capel em 1982 de que a assistência odontológica deveria ser realizada nos serviços de saúde e que no espaço das escolas e creches, desenvolveríamos ações de natureza preventiva e educativa, dirigidas a estas crianças.

Ainda em 2000, último ano da gestão Celso Pitta, Carlos Neder realizou gestões junto à então Secretaria Municipal de Assistência Social, Alda Marcantonio, que resultaram no início da transferência dos consultórios das creches para os serviços de saúde, concluída no Governo Marta Suplicy.

Cumpre ressaltar que a atitude ousada do mandato de Carlos Neder em retomar este debate e apresentar o projeto de lei, às vésperas de uma eleição, redundou em várias matérias e cartas, veiculadas no Jornal da APCD e do CRO-SP. De nítida má fé, tais ações visavam a confundir a categoria odontológica, pois omitiam o ponto principal do debate, que era o do local onde deveria se organizar a   assistência e para quem ela se destinaria.

Em 2002, para viabilizar a legalidade da transferência dos consultórios, o Executivo enviou um projeto de lei à Câmara que, inspirado no projeto do vereador Carlos Neder, foi aprovado e sancionado em 19 de março último. Desta forma, ao mesmo tempo em que se revogava a esdrúxula lei do vereador Dalmo Pessoa, consagra-se em São Paulo um princípio norteador claro: as ações preventivas e educativas serão feitas no âmbito das escolas e creches, reservando-se as ações curativas às unidades de saúde.

Para quem, como eu, pôde acompanhar e vivenciar este processo desde o início dos anos 80, não poderia me furtar a deixar de registrar esta história. Que a persistência de Paulo Capel e a coragem de Carlos Neder inspirem   colegas de outros municípios e estados a lutarem pela adoção de legislações similares. Quem sabe novas vitórias poderão surgir.


*Marco Manfredini, cirurgião-dentista com Especialização em Saúde Pública, Chefe de Gabinete do Vereador Carlos Neder, Consultor em Saúde Bucal da SMS- Campinas, Coordenador Municipal de Saúde Bucal em São Paulo (1989-91) e Santos (1993-96). E-mail: marcomanfredini@ig.com.br

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