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AnoV - Nº 73 - Setembro de 2003 - 2ª quinzena
 

Vamos sacizar a globalização

Maurício Cintrão

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Talvez eu esteja enganado. Mas a impressão é de que, por algum motivo que desconheço, essa Odontologia não é dada a estrangeirismos. Essa é a primeira impressão ao buscar, de memória, os nomes conhecidos nas minhas milhares de horas de consultório. A maioria dos nomes de coisas e partes do corpo é em português. Se eu estiver errado, corrija-me.

Estava pensando nisso enquanto participava de um debate em São Luís de Paraitinga, no Interior de São Paulo. Palestrantes e audiência falavam sobre a necessidade de revalorizar os mitos, as lendas e a tradição oral populares. O grande brado era: fora Halloween! Viva o Saci!

É uma luta interessante e estou engajado nela, por princípio. Não acho que possamos impedir a globalização. Mas temos o dever de globalizar nossas tradições. Ou, como dizíamos naquele debate, sacizar a globalização.

Acho uma graça pedir doçuras sob risco de travessuras. Mas seria muito mais gracioso ouvir isso de um menino fantasiado de Saci. Cai melhor ao Brasil do que aquelas máscaras horrendas do filme "Pânico". Sabe quais são? Aquelas que parecem as feições do ET do caso Roswell esticadas pelo queixo. Não sabe? Bom, esqueça.

O fato é que abandonamos um antigo costume de olhar com carinho para o passado. Você deve ter equilibrado pião na unha, empurrado pneu de carrinho de feira com arame e andado de carrinho de rolimã (olha um galicismo aí). Alguns viram suas avós bordando paninhos de louça com ponto em cruz e deliciaram-se com os quitutes cujas receitas perderam-se no tempo.

Onde foi parar tudo isso? Essa era a pergunta principal entre as cerca de 60 pessoas que participaram dos debates em São Luís. A cidade, aliás, respira história e tradição. Talvez por isso tenha acontecido por lá, no início da noite de 6 de setembro, a primeira "saciata" já registrada no País.

Crianças, adultos e simpáticos sexagenários vestiram o barrete na cabeça, arranjaram cachimbinhos de bambu e ensaiaram o pular em uma perna só. Tudo para chamar a atenção da sociedade para os mitos e lendas que estão perdendo para hambúrgueres e pikachus. Um bando de sacis desengonçados rogando praga no cinismo que apaga memórias.

E eu lembrei mesmo dos Cirurgiões-Dentistas. Primeiro, porque escrevo para vocês. Depois, porque considero sua categoria profissional privilegiada em termos de preservação da língua. E se vocês souberam garantir ao português o espaço de direito na profissão, podem muito bem acreditar nessas coisas simples dos tempos da moda de viola, das cantigas de roda e dos causos contados ao pé da fogueira.

Então, eu faço um convite a vocês. Os meus amigos de São Luís do Paraitinga vão lançar um abaixo-assinado para a oficialização do 31 de outubro como Dia Nacional do Saci. Se vocês virem uma lista dessas por aí, assinem. Talvez consigamos levar às escolas e às praças o mesmo espírito que incentivou o respeito dos CDs pela língua pátria.


*Maurício Cintrão - jornalista e cronista
E-mail:
cintrao@uol.com.br

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