Vinhos
Por
Armando Stelluto Jr.
Vinho –
Saúde!
Uma história de dois
milhões de anos
Ânforas para vinho
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Dizem
os antigos que a idade madura é o tempo da sabedoria. Para esses
mesmos, então, a bebida do saber pode muito bem ser o vinho. O líquido
de uvas idolatrado por deuses gregos e romanos – e muito modestamente
por nós em tempos atuais – existe há dois milhões de anos,
seguramente. Uma história de conhecimento, conteúdo e muita
consistência entre os humanos. E ponha sabedoria nisso!
Para os
historiadores enófilos, a existência da uva remonta antes da última
Era Glacial. E como se comprovou que um tipo de vinho nasceu, digamos
assim, de um acidente com uvas esquecidas numa ânfora em propriedades
do rei Jamshid, um soberano semi-mitológico da antiga Pérsia, como
conta Hugh Johnson, em A História do Vinho (“The Story of Wine”, da
editora Mitchell-Beazley, de Londres). Da uva apodrecida, escorreu um
líquido que até hoje chamamos de vinho. Portanto, o mesmo pode ter
acontecido milhões de anos antes em qualquer lugar da Terra onde as
uvas nasciam naturalmente, de forma selvagem. E, obviamente,
apodreciam em qualquer canto. Para reforçar tal suposição, leva-se em
conta pinturas em cavernas feitas pelos povos Cro-Magnon na região de
Lascaux, França, onde os vinhedos ainda hoje nascem sem qualquer
contribuição do homem. Nessas pinturas, há evidências de que nossos
ancestrais velhinhos conheceram o vinho.
O
conhecimento humano sobre a existência do vinho no planeta felizmente
é vasto. Há inúmeras demonstrações científicas de que ele vem de
longe, muito longe. A Academia do Vinho, um dos redutos mais
respeitados sobre o assunto no Brasil, publicou um amplo estudo sobre
as origens do vinho com forte amparo de publicações de renome
internacional, como no caso do renomado Johnson. Há várias colocações
aparentemente bem embasadas sobre o tema nesse trabalho.
Sementes de uva dão a pista do vinho
Para os
arqueologistas, o acúmulo de sementes de uva é uma probabilidade de
vinificação. Escavações feitas na Turquia, numa região chamada Catal
Huyuk, uma das primeiras da humanidade, em outras como Damasco, na
Síria, Byblos, no Líbano, e na Jordânia, indicaram a presença de uvas
na Idade da Pedra, 8000 a.C. Já as mais antigas sementes cultivadas
seriam da Geórgia, na Rússia, com 7000 a 5000 a.C.
Há
diferenças entre as sementes cultivadas e as selvagens, assim como há
diferenças entre o que se entende pelo início da história do vinho, na
Era Glacial, como na eras posteriores.
No
Cáucaso, entre a Geórgia e a Armênia, a videira era nativa. Na Turquia
(antiga Anatólia), no Irã (Pérsia) e no sul do Iraque, onde existia a
Mesopotâmia, nas montanhas de Zagros, entre o Mar Cáspio e o Golfo
Pérsico, as videiras eram nativas. Acredita-se que as uvas dos
Cáucasos tenham sido levadas pelos fenícios para a Europa. Elas teriam
saído do Líbano e seriam da variedade branca. Uma ânfora de 3.500 anos
com uma mancha de vinho no seu interior foi encontrada há pouco tempo
no Irã, também conforme o trabalho reproduzido pela Academia do Vinho
no Brasil.
Arca de Noé, bebedeiras e muita história
A
existência de uvas e a produção de vinhos têm tudo a ver, porém com
características próprias de cada um, claro. Uma coisa foi qualquer
acidente com uva estragada dar origem à bebida, outra coisa foi o
início da produção em si. Essa é uma outra história. Até Noé e sua
arca entram nela. No Velho Testamento, capítulo 9 do Gênesis, está
escrito que Noé desembarcou os animais de sua arca, plantou uvas, fez
vinho e encheu a cara. Era no Monte Ararat (5.166 metros de altitude)
onde a arca ficou estacionada e onde Noé se embriagava a rodo. Esse é
o ponto citado por Hugh Johnson, nos Cáucasos, entre a Armênia e a
Turquia.
Uma
lenda basca diz que o herói Ano teria trazido as videiras num barco
antes da Atlântida sumir água abaixo. Esse basco tinha o nome em
antigas línguas ocidentais que significava vinho. Na Galícia, Espanha,
há outro nome importante, Noya, que os povos sumérios da Mesopotâmia
colocavam como um deus do mar chamado Oannes. Ainda nessa esteira
encontra-se Dionísio, o deus do vinho grego, criado pela tia Ino, uma
deusa do mar.
Outra
lenda forte sobre a origem do vinho tem também uma relação com a arca.
O rei persa Jamshid teria feito um grande muro para proteger os
animais do dilúvio e por isso teria algo a ver com Noé. Nos seus
palácios eram guardadas uvas em ânforas. Uma vez, parte delas
apodreceu e foi colocada de lado, considerada veneno. Uma desiludida
jovem do harém de Jamshid tentou, então, se matar com esse “veneno”,
mas qual foi a sua surpresa após bebê-lo: ficou alegre e relaxada,
adormecendo tranquilamente. O rei ficou sabendo, gostou da ideia e
ordenou que aquilo fosse feito para ele e sua corte. E tome bebedeira!
Egípcios produziam e registravam tudo
Taça egípcia de
vinho |
Os
mesopotâmios, no Iraque, também bebiam muito, mas não conseguiam
produzir vinho, que era trazido da região da Armênia pelo Rio
Eufrates. Os sumérios também tentaram, entre 4000 e 3000 a.C., mas não
deu certo. Há documentos da época nesse sentido, com pictogramas
achados nas antigas Kish e Ur. Foram os egípcios, no entanto, que
conseguiram produzir vinho, embora sem exclusividade, com registros
pioneiros dos detalhes de vinificação em pinturas de 3000 a 1000 a.C.
Eles tinham até profissionais, como os enólogos de hoje, que faziam a
separação da bebida por qualidade. Documentos contendo as várias
etapas da elaboração do vinho, como a colheita da uva, a prensagem e a
fermentação, foram encontrados em tumbas de faraós.
Do
Egito, acredita-se que o vinho foi levado para a Grécia pelos
precursores dos gregos, que ocuparam parte da ilha de Creta, as ilhas
Cicládicas no sul do Mar Egeu e a costa noroeste da Ásia Menor.
Oliveiras e videiras foram então plantadas e daí o vinho ganharia o
mundo ocidental. A cultura grega se expandiu, foi para a Magna Grécia,
hoje Sicília, e dali subiu pelo território italiano, até encontrar os
etruscos, que já cultivavam videiras nativas na Toscana. A evidência
mais antiga de vinho na Itália pertence à civilização etrusca – uma
ânfora com resíduos de seu líquido de 600 a.C.
Na
França, há estudos que remetem o início da produção de vinhos para a
Idade da Pedra, há 12.000 anos. Os celtas vieram bem depois, com forte
influência também sobre a fabricação na Itália e na Grécia.
Religiosos e hospitais deram muita força
Ao que
parece, foi na Idade Média que a vinicultura tomou impulso. A Igreja
Católica desenvolveu e aprimorou os vinhedos e o vinho nos mosteiros.
Franciscanos, beneditinos e a Ordem de São Bernardo (cistercienses)
praticamente dominaram a Europa e com isso o conhecimento na
elaboração de vinhos. Junto com os religiosos, os hospitais também
foram grandes centros de produção de vinho. Como os hospitais da época
cuidavam também de pobres, viajantes, estudantes e peregrinos, por ali
o vinho corria grosso.
Foi
também na Idade Média, mais ou menos em 1.300, que saiu o primeiro
livro impresso sobre vinho. O “Líber de Vinis”, escrito pelo espanhol
Arnaldus de Villanova, médico e professor da Universidade de
Montpellier, na França, focava mais a utilidade do vinho nos cuidados
com a saúde. Antes dele, por volta do ano 200, o médico italiano
Cláudio Galeno tratou do tema em documentos médicos da época.
Para as
Américas, a uva foi trazida pelo navegador italiano Cristovão Colombo,
na sua segunda viagem às Antilhas, em 1493. Da Ilha da Madeira, em
Portugal, as videiras foram trazidas para o Brasil pelo comandante
português Martin Afonso de Souza, em 1532, e plantadas pelo garimpeiro
português Brás Cubas, primeiro no litoral paulista e 21 anos depois no
bairro do Tatuapé, na cidade de São Paulo. A produção de vinhos no
País, no entanto, só começa no Rio Grande do Sul entre 1870 e 1920,
com a chegada dos imigrantes italianos, depois reforçada com a
participação pequena de alemães e portugueses.
Com “The Story of Wine”, de Hugh Johnson
Academia do Vinho
Vinho no Brasil, de Carlos Cabral
Embrapa Uva e Vinho.
Conhaque, Porto ou Xerez
A
história mundial do vinho, como parcialmente explicada no texto aí de
cima, é longa, culta e recheada de curiosidades. Muitas delas têm a
ver com pesquisa, preferência e interesses de mercado. Por exemplo, os
vinhos fortificados são completamente diferentes das linhas
tradicionais, têm mais álcool e, por isso mesmo devem ser consumidos
com muito mais moderação, apenas num beberico, numa degustação
delicada. O conhaque foi popularizado no século 14 e ganhou força no
18, quando um inglês empreendedor, Jean Martell, passou a produzir um
bebida destilada de vinho na cidade francesa de Cognac. Quase toda sua
produção tinha destino certo, a Inglaterra. Com o tempo, os franceses
apertaram o passo, compraram a casa de Martell, adquiriram o direito
sobre o nome cognac (em português, conhaque) e inundaram o mundo com
um produto bem mais caro e forte.
Nessa
linha, existe também o vinho do porto, muito apreciado pelos ingleses,
e que se expandiu graças a uma briga mercantil entre seu pais
produtor, Portugal, e a França, a partir do Tratado de Methuen, de
1703. O acordo foi feito entre ingleses e portugueses. O vinho comum
começou a ser despachado para a Inglaterra em partidas colossais, mas
não suportavam a viagem. Aí surgiu a idéia de se acrescentar mais
álcool ao produto, o que deu certo. Nascia o Vinho do Porto.
O xerez
(jerez em espanhol; sherry em inglês) é produto na Andaluzia, Espanha,
há uns três mil anos. Tem sabor diferenciado, emprega uvas especiais e
um processo um pouco mais complicado que o conhaque e o porto. O
envelhecimento, em alguns casos, chega a 60 anos.
Com Diário do Vinho e Associação Brasileira de Sommeliers
O vinho do porto e a gripe espanhola
Para
muitos, falar de vinho é falar de saúde. Afora o exagero, sabe-se que
realmente a bebida contém substâncias boas para o organismo humano,
como o resveratrol e outras. Além disso, que é fato comprovado pela
ciência, há outras histórias, muitas histórias. Por exemplo, conta-se
em Portugal que o vinho do porto foi muito utilizado pelos bombeiros
da região do Douro como desinfetante durante a gripe espanhola. A
comprovação, como dizem, coube a Antonio Guedes, que publicou suas
memórias no jornal Arrais na década de 60. Segundo Guedes, nenhum
bombeiro contraiu a doença. Como faziam? O primeiro gole era empregado
como um enxaguatório bucal, que após o bochecho era desprezado; o
segundo, obviamente um gole bem largo, era para ingerir. Seus efeitos
eram o de um “medicamento antibiótico”, disse.
Nos
dias atuais, os bombeiros do Douro desfrutam de técnicas mais modernas
para combater doenças como a gripe suína. De qualquer modo – dizem –
mantêm sempre uma garrafeira em que não podem faltar muitas garrafas e
vinho do porto. Saúde, mesmo!
Com Agência Lusa
Mulheres e seus vinhos
Clicquot é para a enofilia sinônimo de um grande champanhe. E por trás
de um grande champanhe tem uma grande mulher, assim como outras, que
despontam na produção de vinhos pelo mundo. Nicole Ponsardin Clicquot
ficou viúva aos 27 anos e assumiu pessoalmente o vinhedo do marido.
Dedicada, fez uma revolução na elaboração de champanhes. Por isso
ficou conhecida como Veuve Clicquot (viúva Clicquot, traduzido do
francês) quase dois séculos atrás.
A
italiana Miriam Caporali, proprietária da Tenuta Valdipiatta, em
Montepulciano, afirma que “a idéia é aumentar o conhecimento do vinho,
com foco no mundo feminino”. Por conta dessa disposição toda, já se
organizaram em associações, como a Le Donne Del Vino, criaram dois
guias, um francês, o Le Vi nau Féminin, e outro chileno, o Mujer y
Vino.
Com Revista Menu
O vinho que vem do gelo
O vinho
do gelo são os campeões do preço alto. E não é para menos. Os mais
famosos são os canadenses, mas os alemães e austríacos têm excelente
cotação. Como a própria designação indica, para produzir esse tipo de
vinho é preciso que as uvas congelem ainda no vinhedo e permaneçam ali
por quanto tempo seja possível, antes de começarem a desabar dos
cachos por podridão ou pela ação de pássaros famintos. As uvas
precisam ser prensadas com gelo e tudo, porque assim seu líquido sai
mais concentrado. O vinho é doce e caro.
O
primeiro icewine brasileiro, de uvas Cabernet Sauvignon, deve chegar
ao mercado no ano que vem, produzido em Santa Catarina. A Argentina
prepara algo parecido, que será exportado para o Brasil, Colômbia e
Estados Unidos. Só que o argentino não será original, porque suas uvas
são refrigeradas artificialmente. Logo, seu rótulo não terá a
inscrição “vinho de gelo”.
Com O Estado de S.Paulo e Revista Adega
Aquecimento global já atormenta os vinhos
As
mudanças no clima do planeta decorrentes do aquecimento global começam
a produzir efeitos negativos nos vinhedos. Em alguns casos, já foram
constatados níveis elevados de álcool nas uvas cultivadas para a
produção de vinhos. Além disso, também em certas regiões, os sabores
estão mudando por causa da temperatura alterada e da umidade dos
solos. Inclusive o amadurecimento está ocorrendo mais rapidamente. O
aquecimento pode derrubar o nível da água nos solos em até 15% em 30
anos e 17% em 60. Por essa razão, a produção mundial de vinhos pode
cair 8%, de acordo com informações divulgadas pelo site especializado
winebusines. A tendência é de que haverá aumentos crescentes de
temperaturas.
Com winebusines
Em Dubai, vinho a R$ 53 mil a garrafa
A quem
interessar, existe no Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Dubai,
nos Emirados Árabes, uma loja que dispõe em suas prateleiras de vinhos
a US$ 28 mil (R$ 53 mil) a garrafa. Para quem não pretende gastar
tanto, há outros mais baratos, como Chateau Petrus 1947 a US$ 12.500,
ou o Chateau Cheval Blanc 1961, a US$ 15.750. O Domaine de La
Romanée-Conti sai por US$ 27.778. Isso tudo já descontados os
impostos, porque trata-se de um free shop.
Com Época Negócios Online
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